20 de novembro de 2009

Pudesse eu... ...


Pudesse eu morrer hoje como tu me morreste nessa noite

—e deitar-me na terra; e ter uma cama de pedra branca e

um cobertor de estrelas; e não ouvir senão o rumor das ervas

que despontam de noite, e os passos diminutos dos insectos,

e o canto do vento nos ciprestes; e não ter medo das sombras,

nem das aves negras nos meus braços de mármore,

nem de te ter perdido — não ter medo de nada.



Pudesse eu fechar os olhos neste instante e esquecer-me de tudo

—das tuas mãos tão frias quando estendi as minhas nessa noite;

de não teres dito a única palavra que me faria salvar-te, mesmo

deixando que eu perguntasse tudo; de teres insultado a vida

e chamado pela morte para me mostrares que o teu corpo

já tinha desistido, que ias matar-te em mim e que era tarde

para eu pensar em devolver-te os dias que roubara.



Pudesse eu cair num sono gelado como o teu e deixar de sentir a dor,

a dor incomparável de te ver acordado em tudo o que escrevi

—porque foi pelo poema que me amaste, o poema foi sempreo

que valeu a pena (o mais eram os gestos que não cabiam

nas mãos, os morangos a que o verão obrigou);

e pudesseeu deixar de escrever nesta manhã,

o dia treme na linhados telhados, a vida hesita tanto,

e pudesse eu morrer, mas ouço-te a respirar no meu poema.


Maria do Rosário Pedreira