4 de maio de 2008

Uma Rosa...

Uma Rosa vermelha pela tua mão...
era tudo o que queria...
Ouvir a palavra Mãe
pela tua voz...
até num sonho ou no vento...
bastaria...

22 de março de 2008

Não tenhas medo do Amor


Não tenhas medo do amor.

Pousa a tua mão devagar
sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas
que ali estão a crescer:
o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão
e a teia de raízes de um pequeno loureiro
que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo.

A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.

Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros:
explode no teu coração um amor-perfeito,
será doce o seu pólen na corola de um beijo,
não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.


Maria do Rosário Pedreira

15 de março de 2008

...vieste como um barco...




Vieste como um barco carregado de vento, abrindo
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro
onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste,
que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como um lume
de cera, lento e brando, que já não derrama calor.
Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam
no cais como se transportassem no corpo o vaivém
dos barcos. Dizem-me os seus passos
que vale a pena esperar, porque as ondas acabam
sempre por quebrar-se junto das margens. Mas eu sei
que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde
para quase tudo. Por isso, vou para casa
e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.


Maria do Rosário Pedreira

12 de março de 2008

Tarde demais

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar…

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!…”

Florbela Espanca

8 de março de 2008

A vida




É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo um «Pedro Sem»,
Uma alegria é feita dum tormento,
Um sorriso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!...

Florbela Espanca

6 de março de 2008

Fome...sede...frio...sono...




Dá a surpresa de ser.

É alta, de um louro escuro.

Faz bem só pensar em ver

Seu corpo meio maduro.


Seus seios altos parecem

(Se ela estivesse deitada)

Dois montinhos que amanhecem

Sem ter que haver madrugada.


E a mão do seu braço branco

Assenta em palmo espalhado

Sobre a saliência do flanco

Do seu relêvo tapado.


Apetece como um barco.

Tem qualquer coisa de gomo.

Meu Deus, quando é que eu embarco?

Ó fome, quando é que eu como?


Fernando Pessoa....quem mais? :=)

5 de março de 2008

Conselho



Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és
- Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...
Pessoa

2 de março de 2008

Tortura


Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!


Florbela Espanca

25 de fevereiro de 2008

Fosse eu apenas...


Fosse eu apenas, não sei onde ou como,
Uma coisa existente sem viver,
Noite de Vida sem amanhecer
Entre as sirtes do meu dourado assomo....

Fada maliciosa ou incerto gnomo
Fadado houvesse de não pertencer
Meu intuito gloríola com Ter
A árvore do meu uso o único pomo...

Fosse eu uma metáfora somente
Escrita nalgum livro insubsistente
Dum poeta antigo, de alma em outras gamas,

Mas doente, e , num crepúsculo de espadas,
Morrendo entre bandeiras desfraldadas
Na última tarde de um império em chamas...


Fernando Pessoa

22 de fevereiro de 2008

...onde me doi...


Toca-me onde me dói e verás
uma flor a abrir-se lentamente
sobre a pele, a maravilha nunca
adivinhada de um mistério.

Esta é a tua vez de o desvendares
-paixão é uma palavra demasiado
antiga no meu corpo, já não sei a
última vez, a única vez.

Toca-me por isso devagar,
não me lembro da Primavera
que fez nascer a doença sobre a ferida,
não sinto o recorte da cicatriz
que o tempo pousou nela.

Agora chama-me ao
teu peito com as mãos, tal como a
chuva chama pelos narcisos sem
cessar, ano após ano; diz o meu
nome com os dedos a serem rios
que latejam no coração adormecido
de uma aldeia.

Não adivinhes
-lá, onde me doer, vou recordar-me.

Maria do Rosário Pedreira

19 de fevereiro de 2008

Foi um momento



Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não ?

Não sei.
Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido.
Mas tão de leve !...

Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há muita coisa
Incompreendida...

Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?
Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.

Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz. . .


Fernando Pessoa

1 de fevereiro de 2008

Intervalo



Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado
- Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca
- A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.


Fernando Pessoa
Cancioneiro

26 de janeiro de 2008

O Amor


O amor, quando se revela...
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p' ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


Fernando Pessoa

23 de janeiro de 2008

Diz-me o teu nome...


Diz-me o teu nome
- agora, que perdi quase tudo,
um nome pode ser o princípio
de alguma coisa.

Escreve-o na minha mão
com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome.

Sopra-mo no ouvido,
como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria.

E, antes de partires, pousa-o
nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.

Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim.

Maria do Rosário Pedreira

19 de janeiro de 2008

O Adeus Final


Tenho menos pressa que o vento;
contudo tenho que partir.

Nós, os errantes,
sempre em busca do caminho mais solitário,
não começamos nenhum dia
no sítio onde acabamos o outro;
e nenhum amanhecer nos encontra no sítio
onde nos deixou o pôr do sol.

Até quando a terra dorme
Nós viajamos.

Somos as sementes da teimosa planta
e é na nossa madurez
e plenitude de coração
que somos entregues e dispersos ao vento.

Foram breves os dias que passei convosco,
e mais breves ainda
as palavras que pronunciei.

Mas se a minha voz
se extinguir em vossos ouvidos
e o meu amor se desvanecer
na vossa memória,
então voltarei de novo.

E falarei, com o coração mais rico
e lábios mais submissos,
ao espírito.

Sim. Voltarei com a maré.

E embora a morte possa ocultar-me
e rodear-me o maior silêncio,
buscarei, de novo,
a vossa compreensão.

E não buscarei em vão.

Se é verdade aquilo que disse,
esta verdade se manifestará
numa voz mais clara
e em palavras
mais perto dos vossos pensamentos.

Parto com o vento,
mas não me precipito no vácuo.

E se o dia de hoje
não é a realidade das vossas necessidades
e do vosso amor,
deixai então que seja
uma promessa até outro dia.

As necessidades do homem mudam,
mas não muda o seu amor,
nem o desejo de que o seu amor
realize as suas necessidades.

Além disso, ficai sabendo,
que voltarei
até do grande silêncio.

A bruma que desaparece na aurora,
deixando apenas orvalho sobre os campos,
subirá a acumular-se
no seio de uma nuvem
e cairá depois desfeita em chuva.

E eu não fui diferente da bruma.

No silêncio da noite
caminhei pelas vossas ruas,
o meu espírito entrou em vossas casas.

O bater dos vossos corações
esteve no meu coração,
a vossa respiração bateu no meu rosto,
e a todos conheci.

Sim. Conheci as vossas alegrias
e as vossas tristezas,
e enquanto dormíeis
os vossos sonhos foram os meus sonhos.

Muitas vezes estive no meio de vós
como um lago entre as montanhas.

Reflecti em vós, como espelho,
os cimos, as encostas onduladas
e até o passo dos rebanhos errantes
dos vossos pensamentos e desejos.

Até ao meu silêncio
chegaram os regatos
os risos das vossas crianças
e como rios
não deixaram, por isso, de cantar.

Contudo, alguma coisa chegou até mim,
mais doce que os risos,
e mais forte que os sonhos.

Era o que há em vós de ilimitado.

O homem infinito...

-Apenas um instante,
Um momento de repouso sobre o vento,
e outra mulher me dará à luz.


Excerto retirado do: O Profeta de Kahhil Gibran

3 de janeiro de 2008

Cada pedaço teu...


Cada pedaço teu, cada gesto...

Cada vida tua...guardarei...

Cada letra, cada veste...guardarei.

Cada memória, cada sorriso...

guardarei...

2 de janeiro de 2008

Mãe...


Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começarama crescer.
O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram
–se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique
–as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer.
A esta hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.


"O Canto do Vento nos Ciprestes" Maria do Rosário Pedreira