6 de janeiro de 2016

O meu amor não cabe num poema




O meu amor não cabe num poema ― há coisas assim, 
que não se rendem à geometria deste mundo; 
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
os quartos que os gestos não preenchem.

O meu amor é maior que as palavras; 
e daí inútil a agitação dos dedos na intimidade do texto ― 
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías 
nem a candura a mão que protege a chama que estremece. 

O meu amor não se deixa dizer ― é um formigueiro 
que acode aos lábios com a urgência de um beijo 
ou a matéria efervescente os segredos; a combustão 
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios 
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo, 
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo. 

 O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras 
com a nudez do teu nome ― é um fantasma que estrebucha 
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas. 
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa 
como o esqueleto de uma palavra morta. nenhum poema 
podia ser o chão a sua casa.

Maria do Rosário Pedreira