26 de janeiro de 2008

O Amor


O amor, quando se revela...
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p' ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


Fernando Pessoa

23 de janeiro de 2008

Diz-me o teu nome...


Diz-me o teu nome
- agora, que perdi quase tudo,
um nome pode ser o princípio
de alguma coisa.

Escreve-o na minha mão
com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome.

Sopra-mo no ouvido,
como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria.

E, antes de partires, pousa-o
nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.

Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim.

Maria do Rosário Pedreira

19 de janeiro de 2008

O Adeus Final


Tenho menos pressa que o vento;
contudo tenho que partir.

Nós, os errantes,
sempre em busca do caminho mais solitário,
não começamos nenhum dia
no sítio onde acabamos o outro;
e nenhum amanhecer nos encontra no sítio
onde nos deixou o pôr do sol.

Até quando a terra dorme
Nós viajamos.

Somos as sementes da teimosa planta
e é na nossa madurez
e plenitude de coração
que somos entregues e dispersos ao vento.

Foram breves os dias que passei convosco,
e mais breves ainda
as palavras que pronunciei.

Mas se a minha voz
se extinguir em vossos ouvidos
e o meu amor se desvanecer
na vossa memória,
então voltarei de novo.

E falarei, com o coração mais rico
e lábios mais submissos,
ao espírito.

Sim. Voltarei com a maré.

E embora a morte possa ocultar-me
e rodear-me o maior silêncio,
buscarei, de novo,
a vossa compreensão.

E não buscarei em vão.

Se é verdade aquilo que disse,
esta verdade se manifestará
numa voz mais clara
e em palavras
mais perto dos vossos pensamentos.

Parto com o vento,
mas não me precipito no vácuo.

E se o dia de hoje
não é a realidade das vossas necessidades
e do vosso amor,
deixai então que seja
uma promessa até outro dia.

As necessidades do homem mudam,
mas não muda o seu amor,
nem o desejo de que o seu amor
realize as suas necessidades.

Além disso, ficai sabendo,
que voltarei
até do grande silêncio.

A bruma que desaparece na aurora,
deixando apenas orvalho sobre os campos,
subirá a acumular-se
no seio de uma nuvem
e cairá depois desfeita em chuva.

E eu não fui diferente da bruma.

No silêncio da noite
caminhei pelas vossas ruas,
o meu espírito entrou em vossas casas.

O bater dos vossos corações
esteve no meu coração,
a vossa respiração bateu no meu rosto,
e a todos conheci.

Sim. Conheci as vossas alegrias
e as vossas tristezas,
e enquanto dormíeis
os vossos sonhos foram os meus sonhos.

Muitas vezes estive no meio de vós
como um lago entre as montanhas.

Reflecti em vós, como espelho,
os cimos, as encostas onduladas
e até o passo dos rebanhos errantes
dos vossos pensamentos e desejos.

Até ao meu silêncio
chegaram os regatos
os risos das vossas crianças
e como rios
não deixaram, por isso, de cantar.

Contudo, alguma coisa chegou até mim,
mais doce que os risos,
e mais forte que os sonhos.

Era o que há em vós de ilimitado.

O homem infinito...

-Apenas um instante,
Um momento de repouso sobre o vento,
e outra mulher me dará à luz.


Excerto retirado do: O Profeta de Kahhil Gibran

3 de janeiro de 2008

Cada pedaço teu...


Cada pedaço teu, cada gesto...

Cada vida tua...guardarei...

Cada letra, cada veste...guardarei.

Cada memória, cada sorriso...

guardarei...

2 de janeiro de 2008

Mãe...


Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começarama crescer.
O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram
–se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique
–as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer.
A esta hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.


"O Canto do Vento nos Ciprestes" Maria do Rosário Pedreira