19 de janeiro de 2008

O Adeus Final


Tenho menos pressa que o vento;
contudo tenho que partir.

Nós, os errantes,
sempre em busca do caminho mais solitário,
não começamos nenhum dia
no sítio onde acabamos o outro;
e nenhum amanhecer nos encontra no sítio
onde nos deixou o pôr do sol.

Até quando a terra dorme
Nós viajamos.

Somos as sementes da teimosa planta
e é na nossa madurez
e plenitude de coração
que somos entregues e dispersos ao vento.

Foram breves os dias que passei convosco,
e mais breves ainda
as palavras que pronunciei.

Mas se a minha voz
se extinguir em vossos ouvidos
e o meu amor se desvanecer
na vossa memória,
então voltarei de novo.

E falarei, com o coração mais rico
e lábios mais submissos,
ao espírito.

Sim. Voltarei com a maré.

E embora a morte possa ocultar-me
e rodear-me o maior silêncio,
buscarei, de novo,
a vossa compreensão.

E não buscarei em vão.

Se é verdade aquilo que disse,
esta verdade se manifestará
numa voz mais clara
e em palavras
mais perto dos vossos pensamentos.

Parto com o vento,
mas não me precipito no vácuo.

E se o dia de hoje
não é a realidade das vossas necessidades
e do vosso amor,
deixai então que seja
uma promessa até outro dia.

As necessidades do homem mudam,
mas não muda o seu amor,
nem o desejo de que o seu amor
realize as suas necessidades.

Além disso, ficai sabendo,
que voltarei
até do grande silêncio.

A bruma que desaparece na aurora,
deixando apenas orvalho sobre os campos,
subirá a acumular-se
no seio de uma nuvem
e cairá depois desfeita em chuva.

E eu não fui diferente da bruma.

No silêncio da noite
caminhei pelas vossas ruas,
o meu espírito entrou em vossas casas.

O bater dos vossos corações
esteve no meu coração,
a vossa respiração bateu no meu rosto,
e a todos conheci.

Sim. Conheci as vossas alegrias
e as vossas tristezas,
e enquanto dormíeis
os vossos sonhos foram os meus sonhos.

Muitas vezes estive no meio de vós
como um lago entre as montanhas.

Reflecti em vós, como espelho,
os cimos, as encostas onduladas
e até o passo dos rebanhos errantes
dos vossos pensamentos e desejos.

Até ao meu silêncio
chegaram os regatos
os risos das vossas crianças
e como rios
não deixaram, por isso, de cantar.

Contudo, alguma coisa chegou até mim,
mais doce que os risos,
e mais forte que os sonhos.

Era o que há em vós de ilimitado.

O homem infinito...

-Apenas um instante,
Um momento de repouso sobre o vento,
e outra mulher me dará à luz.


Excerto retirado do: O Profeta de Kahhil Gibran

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