16 de janeiro de 2018

Simplesmente Maria



"Há sentimentos que nascem assim sem tamanho, e quando queres chamar por eles ficas sem rumo porque nem os nomes lhes sabes.
E depois há essas dores que nascem daqueles sentires, assim como uma sequência lógica e coordenada, e tomam conta de ti, como se fosse tua obrigação albergá-los no peito.
E depois há nada, um pó fino onde te aninhas à espera que o dia seja sempre mais curto e a noite seja nunca.
E tu ficas, porque a vida assim o quer, e tu sabes que assim será.
E os dias são sempre  mais longos na esperança de que os anos se esqueçam das dores que trazem nomes a apertar-te no peito.
Mas tu sorris na sombra das tuas dores a murmurar esses sentimentos e a gritar outras alegrias. E vives, ainda, porque os outros te querem aqui, e porque a vida afinal, é assim; uns dias sim e outros não.
E para que hoje seja sempre um dia sim, não deixes que os sussurros se façam ouvir mais alto do que os gritos porque o prazer é sempre mais ténue e a dor sempre mais densa."

Carmen Velosa


6 de janeiro de 2016

O meu amor não cabe num poema




O meu amor não cabe num poema ― há coisas assim, 
que não se rendem à geometria deste mundo; 
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
os quartos que os gestos não preenchem.

O meu amor é maior que as palavras; 
e daí inútil a agitação dos dedos na intimidade do texto ― 
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías 
nem a candura a mão que protege a chama que estremece. 

O meu amor não se deixa dizer ― é um formigueiro 
que acode aos lábios com a urgência de um beijo 
ou a matéria efervescente os segredos; a combustão 
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios 
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo, 
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo. 

 O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras 
com a nudez do teu nome ― é um fantasma que estrebucha 
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas. 
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa 
como o esqueleto de uma palavra morta. nenhum poema 
podia ser o chão a sua casa.

Maria do Rosário Pedreira 

11 de abril de 2010

Adagio...


I don’t know where to find you
I don’t know how to reach you
I hear your voice in the wind
I feel you under my skin
Whithin my heart and my soul
I wait for you
Adagio

All of these nights without you
All of my dreams surround you
I see and I touch your face
I fall into your embrace
When the time is right, I know
You'll be in my arms
Adagio

I close my eyes and I find a way
No need for me to pray
I’ve walked so far
I've fought so hard
Nothing more to explain
I know all that remains
Is a piano that plays

If you know where to find me
If you know how to reach me
Before this light fades away
Before I run out of faith
Be the only man to say
That you'll hear my heart
That you'll give your life
Forever you'll stay

Don't let this light fade away
No No No No No
Don't let me run out of faith
Be the only man to say
That you believe,
Make me believe
You won't let go
Adagio



20 de janeiro de 2010

As pedras choraram...


As pedras continuam ali meu amor...

Os degraus também...

Choraste em mim...

E as imagens continuam de pedra

30 de dezembro de 2009

Desejo-te Tempo

Não te desejo um presente qualquer
Desejo-te somente aquilo que a maioria não tem
Desejo-te tempo, para se divertir e para sorrir;
Desejo-te tempo para que os obstáculos sejam sempre superados
E muitos sucessos comemorados.
Desejo-te tempo, para planear e realizar,
Não só para si mesmo, mas também para doá-lo aos outros.
Desejo-te tempo, não para ter pressa e correr,
Desejo-te tempo para encontrar você mesmo,
Desejo-te tempo, não só para passar ou para vê-lo no relógio,
Desejo-te tempo, para que você fique;
Tempo para encantar-se e tempo para confiar em alguém.
Desejo-te tempo para tocar as estrelas,
E tempo para crescer, para amadurecer.
Desejo-te tempo para aprender e acertar.
Tempo para recomeçar, se fracassar.
Desejo-te tempo também para poder voltar atrás e perdoar.
Desejo-te tempo, para ter novas esperanças e para amar.
Não faz mais sentido protelar.
Desejo-te tempo para ser feliz.
Para viver cada seu dia como um presente.
Desejo-te tempo, tempo para a vida.
Desejo-te tempo. Tempo. Muito tempo!

14 de dezembro de 2009

Eu


Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

Florbela Espanca

20 de novembro de 2009

Pudesse eu... ...


Pudesse eu morrer hoje como tu me morreste nessa noite

—e deitar-me na terra; e ter uma cama de pedra branca e

um cobertor de estrelas; e não ouvir senão o rumor das ervas

que despontam de noite, e os passos diminutos dos insectos,

e o canto do vento nos ciprestes; e não ter medo das sombras,

nem das aves negras nos meus braços de mármore,

nem de te ter perdido — não ter medo de nada.



Pudesse eu fechar os olhos neste instante e esquecer-me de tudo

—das tuas mãos tão frias quando estendi as minhas nessa noite;

de não teres dito a única palavra que me faria salvar-te, mesmo

deixando que eu perguntasse tudo; de teres insultado a vida

e chamado pela morte para me mostrares que o teu corpo

já tinha desistido, que ias matar-te em mim e que era tarde

para eu pensar em devolver-te os dias que roubara.



Pudesse eu cair num sono gelado como o teu e deixar de sentir a dor,

a dor incomparável de te ver acordado em tudo o que escrevi

—porque foi pelo poema que me amaste, o poema foi sempreo

que valeu a pena (o mais eram os gestos que não cabiam

nas mãos, os morangos a que o verão obrigou);

e pudesseeu deixar de escrever nesta manhã,

o dia treme na linhados telhados, a vida hesita tanto,

e pudesse eu morrer, mas ouço-te a respirar no meu poema.


Maria do Rosário Pedreira

13 de outubro de 2009

Quando eu morrer...

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse de nós;
e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema
- como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra.
Deixa que nos meus braços pousem então as aves
(que , como eu,trazem entre as penas a saudade de um
verão carregadode paixões).
E planta à minha volta uma fiada de rosas brancas
que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na baínha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou ( e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti).
Quando eu morrer, deixa-me a ver o mar do alto
de um rochedo e não chores,
nem toques com os teus lábios a minha boca fria.
E promete-me que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu,
estrelas que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosário Pedreira
Canto do Vento nos Ciprestes

12 de outubro de 2009

Caminho pelo lado da rebentação das ondas


Caminho pelo lado da rebentação das ondas ―
o litoral guarda segredo dos meus passos entre
as redes de sal trazidas pelos barcos
e o labirinto das algas ainda agora oferecidas à praia.

Sinto-me à mercê das falésias a riscar
o teu nome na areia; e é como se lentamente
pronunciasse um chamamento triste a que ninguém
acode. Fez-se tarde para os lamentos das sereias:

agora as marés dobam novelos de espuma à roda
dos meus pés, as águas já não transportam
a minha voz, a perder-se sobre as dunas
que os ventos vão desbastando devagar
ao cair da noite.

Tenho sempre medo que não voltes.

Maria do Rosário Pedreira

8 de setembro de 2009

Não adormeças...


Não adormeças: o vento ainda assobia no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.

Não adormeças já. Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste, da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas; e das ervas húmidas e chãs
com que em casa se cozinham perfumes que ainda hoje
te mordem os gestos e as palavras.

O meu corpo gela à míngua dos teus dedos, o sol vai
demorar-se a regressar. Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que, se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu sono
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres.



Maria do Rosário Pedreira
de A Casa e o Cheiro dos Livros

12 de junho de 2009

I believe I can fly


I used to think that I could not go on
And life was nothing but an awful song
But now I know the meaning of true love
I’m leaning on the everlasting arms
If I can see it, then I can do it
If I just believe it, there’s nothing to it

I believe I can fly
I believe I can touch the sky
I think about it every night and day
Spread my wings and fly away
I believe I can soar
I see me running through that opened door, I
Believe I can fly,
I believe I can fly, I believe I can fly,

See I was on the verge of breaking down
Sometimes silence can seem so loud
There are miracles in life I must achieve
But first I know it starts inside of me

If I can see it, then I can be it
If I just believe it, there’s nothing to it

I believe can fly,
I can touch the sky
I think about it every night and day
Spread my wings and fly away
I believe i can sour,
I see me running through that opened door
I believe i can fly
I believe i can fly, i believe i can fly

Hey, cuz I believe in me, oh

If I can see it, then I can do it
If I just believe it, there's nothing to it

I believe can fly,
I can touch the sky
I think about it every night and day
Spread my wings and fly away
I believe I can sour,
I see me running through that opened door
I believe I can fly
I believe I can fly, I believe I can fly

24 de março de 2009

Dorme meu Amor


Dorme, meu amor,
que o mundo já viu morrer mais este dia
e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.
Fecha os olhos agora e sossega
o pior já passou há muito tempo;
e o vento amaciou;
e a minha mão desvia os passos do medo.
Dorme, meu amor
a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste
e pode levantar-se como um pássaro assim que adormeceres.
Mas nada temas:
as suas asas de sombra não hão-de derrubar-me
eu já morri muitas vezes
e é ainda da vida que tenho mais medo.
Fecha os olhos agora e sossega
a porta está trancada;
e os fantasmas
da casa que o jardim devorou
andam perdidos nas brumas que lancei ao caminho.
Por isso, dorme, meu amor,
larga a tristeza à porta do meu corpo e nada temas:
eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão,
já olhei a morte debruçada nos espelhos
e estou aqui, de guarda aos pesadelos
a noite é um poema que conheço de cor
e vou cantar-to até adormeceres.

Maria do Rosário Pedreira

20 de fevereiro de 2009

Tudo o que vem de ti é um poema. . .



Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos

e o teu perfume a transpirar na minha pele.

E o corpo doeu-me onde antes os teus dedos foram aves de verão

e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha camisola;

e eu despi-a para ti, a dar-te um coração que era o resto da vida

- como um peixe respira na rede mais exausta.

Nem mesmo à despedida foram os gestos contundentes:

tudo o que vem de ti é um poema.

Contudo, ao acordar, a solidão sulcara um vale nos cobertores

e o meu corpo era de novo um trilho abandonado na paisagem.

Sentei-me na cama e repeti devagar o teu nome,

o nome dos meus sonhos,

mas as sílabas caíam no fim das palavras,

a dor esgota as forças,

são frios os batentes nas portas da manhã.


Maria do Rosário Pedreira

26 de janeiro de 2009

...deixei de ouvir-te...

Deixei de ouvir-te.
E sei que sou mais triste com o teu silêncio.
Preferia pensar que só adormeceste;
mas se encostar ao teu pulso o meu ouvido
não escutarei senão a minha dor.
Deus precisou de ti, bem sei.
E não vejo como censurá-lo ou perdoar-lhe.
Maria do Rosário Pedreira

4 de maio de 2008

Uma Rosa...

Uma Rosa vermelha pela tua mão...
era tudo o que queria...
Ouvir a palavra Mãe
pela tua voz...
até num sonho ou no vento...
bastaria...

22 de março de 2008

Não tenhas medo do Amor


Não tenhas medo do amor.

Pousa a tua mão devagar
sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas
que ali estão a crescer:
o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão
e a teia de raízes de um pequeno loureiro
que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo.

A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.

Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros:
explode no teu coração um amor-perfeito,
será doce o seu pólen na corola de um beijo,
não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.


Maria do Rosário Pedreira

15 de março de 2008

...vieste como um barco...




Vieste como um barco carregado de vento, abrindo
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro
onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste,
que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como um lume
de cera, lento e brando, que já não derrama calor.
Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam
no cais como se transportassem no corpo o vaivém
dos barcos. Dizem-me os seus passos
que vale a pena esperar, porque as ondas acabam
sempre por quebrar-se junto das margens. Mas eu sei
que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde
para quase tudo. Por isso, vou para casa
e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.


Maria do Rosário Pedreira

12 de março de 2008

Tarde demais

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar…

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!…”

Florbela Espanca

8 de março de 2008

A vida




É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo um «Pedro Sem»,
Uma alegria é feita dum tormento,
Um sorriso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!...

Florbela Espanca

6 de março de 2008

Fome...sede...frio...sono...




Dá a surpresa de ser.

É alta, de um louro escuro.

Faz bem só pensar em ver

Seu corpo meio maduro.


Seus seios altos parecem

(Se ela estivesse deitada)

Dois montinhos que amanhecem

Sem ter que haver madrugada.


E a mão do seu braço branco

Assenta em palmo espalhado

Sobre a saliência do flanco

Do seu relêvo tapado.


Apetece como um barco.

Tem qualquer coisa de gomo.

Meu Deus, quando é que eu embarco?

Ó fome, quando é que eu como?


Fernando Pessoa....quem mais? :=)

5 de março de 2008

Conselho



Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és
- Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...
Pessoa

2 de março de 2008

Tortura


Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!


Florbela Espanca

25 de fevereiro de 2008

Fosse eu apenas...


Fosse eu apenas, não sei onde ou como,
Uma coisa existente sem viver,
Noite de Vida sem amanhecer
Entre as sirtes do meu dourado assomo....

Fada maliciosa ou incerto gnomo
Fadado houvesse de não pertencer
Meu intuito gloríola com Ter
A árvore do meu uso o único pomo...

Fosse eu uma metáfora somente
Escrita nalgum livro insubsistente
Dum poeta antigo, de alma em outras gamas,

Mas doente, e , num crepúsculo de espadas,
Morrendo entre bandeiras desfraldadas
Na última tarde de um império em chamas...


Fernando Pessoa

22 de fevereiro de 2008

...onde me doi...


Toca-me onde me dói e verás
uma flor a abrir-se lentamente
sobre a pele, a maravilha nunca
adivinhada de um mistério.

Esta é a tua vez de o desvendares
-paixão é uma palavra demasiado
antiga no meu corpo, já não sei a
última vez, a única vez.

Toca-me por isso devagar,
não me lembro da Primavera
que fez nascer a doença sobre a ferida,
não sinto o recorte da cicatriz
que o tempo pousou nela.

Agora chama-me ao
teu peito com as mãos, tal como a
chuva chama pelos narcisos sem
cessar, ano após ano; diz o meu
nome com os dedos a serem rios
que latejam no coração adormecido
de uma aldeia.

Não adivinhes
-lá, onde me doer, vou recordar-me.

Maria do Rosário Pedreira

19 de fevereiro de 2008

Foi um momento



Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não ?

Não sei.
Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido.
Mas tão de leve !...

Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há muita coisa
Incompreendida...

Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?
Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.

Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz. . .


Fernando Pessoa

1 de fevereiro de 2008

Intervalo



Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado
- Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca
- A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.


Fernando Pessoa
Cancioneiro

26 de janeiro de 2008

O Amor


O amor, quando se revela...
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p' ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


Fernando Pessoa

23 de janeiro de 2008

Diz-me o teu nome...


Diz-me o teu nome
- agora, que perdi quase tudo,
um nome pode ser o princípio
de alguma coisa.

Escreve-o na minha mão
com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome.

Sopra-mo no ouvido,
como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria.

E, antes de partires, pousa-o
nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.

Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim.

Maria do Rosário Pedreira

19 de janeiro de 2008

O Adeus Final


Tenho menos pressa que o vento;
contudo tenho que partir.

Nós, os errantes,
sempre em busca do caminho mais solitário,
não começamos nenhum dia
no sítio onde acabamos o outro;
e nenhum amanhecer nos encontra no sítio
onde nos deixou o pôr do sol.

Até quando a terra dorme
Nós viajamos.

Somos as sementes da teimosa planta
e é na nossa madurez
e plenitude de coração
que somos entregues e dispersos ao vento.

Foram breves os dias que passei convosco,
e mais breves ainda
as palavras que pronunciei.

Mas se a minha voz
se extinguir em vossos ouvidos
e o meu amor se desvanecer
na vossa memória,
então voltarei de novo.

E falarei, com o coração mais rico
e lábios mais submissos,
ao espírito.

Sim. Voltarei com a maré.

E embora a morte possa ocultar-me
e rodear-me o maior silêncio,
buscarei, de novo,
a vossa compreensão.

E não buscarei em vão.

Se é verdade aquilo que disse,
esta verdade se manifestará
numa voz mais clara
e em palavras
mais perto dos vossos pensamentos.

Parto com o vento,
mas não me precipito no vácuo.

E se o dia de hoje
não é a realidade das vossas necessidades
e do vosso amor,
deixai então que seja
uma promessa até outro dia.

As necessidades do homem mudam,
mas não muda o seu amor,
nem o desejo de que o seu amor
realize as suas necessidades.

Além disso, ficai sabendo,
que voltarei
até do grande silêncio.

A bruma que desaparece na aurora,
deixando apenas orvalho sobre os campos,
subirá a acumular-se
no seio de uma nuvem
e cairá depois desfeita em chuva.

E eu não fui diferente da bruma.

No silêncio da noite
caminhei pelas vossas ruas,
o meu espírito entrou em vossas casas.

O bater dos vossos corações
esteve no meu coração,
a vossa respiração bateu no meu rosto,
e a todos conheci.

Sim. Conheci as vossas alegrias
e as vossas tristezas,
e enquanto dormíeis
os vossos sonhos foram os meus sonhos.

Muitas vezes estive no meio de vós
como um lago entre as montanhas.

Reflecti em vós, como espelho,
os cimos, as encostas onduladas
e até o passo dos rebanhos errantes
dos vossos pensamentos e desejos.

Até ao meu silêncio
chegaram os regatos
os risos das vossas crianças
e como rios
não deixaram, por isso, de cantar.

Contudo, alguma coisa chegou até mim,
mais doce que os risos,
e mais forte que os sonhos.

Era o que há em vós de ilimitado.

O homem infinito...

-Apenas um instante,
Um momento de repouso sobre o vento,
e outra mulher me dará à luz.


Excerto retirado do: O Profeta de Kahhil Gibran

3 de janeiro de 2008

Cada pedaço teu...


Cada pedaço teu, cada gesto...

Cada vida tua...guardarei...

Cada letra, cada veste...guardarei.

Cada memória, cada sorriso...

guardarei...