13 de outubro de 2009

Quando eu morrer...

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse de nós;
e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema
- como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra.
Deixa que nos meus braços pousem então as aves
(que , como eu,trazem entre as penas a saudade de um
verão carregadode paixões).
E planta à minha volta uma fiada de rosas brancas
que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na baínha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou ( e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti).
Quando eu morrer, deixa-me a ver o mar do alto
de um rochedo e não chores,
nem toques com os teus lábios a minha boca fria.
E promete-me que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu,
estrelas que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosário Pedreira
Canto do Vento nos Ciprestes

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