31 de dezembro de 2007

O Amor


- Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
ainda que os seus caminhos sejam duros
e escarpados.

E quando as suas asas vos envolverem,
entregai-vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagem
vos possa ferir.

E quando vos falar, acreditai nele;
apesar da sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.

Porque assim como o vosso amor vos coroa,
também deve crucificar-vos.

E sendo causa do crescimento,
deve cuidar também da poda.

E assim como se eleva à sua altura
e acaricia os ramos mais ternos
que tremem ao sol,
também penetrará até às raízes.

Como braçadas de trigo vos leva.
Malha-vos até ficardes nus.

Passa-vos pelo crivo
para vos livrar do palhiço.

Mói-vos até à brancura.

Amassa-vos até ficardes maleáveis.
Então entrega-vos ao seu fogo,
para poderes ser
o pão sagrado no festim de Deus.

Tudo isto vos fará o amor,
para poderdes conhecer os segredos
do vosso coração,
e por este conhecimento
vos tornar-des um bocado
do coração da Vida.

Mas se por medo,
buscais apenas a paz do amor,
então mais vale cobrir a nudez
e sair da eira do amor,
a caminho do mundo sem estações,
onde podereis rir,
mas nunca todos os vossos risos,
e chorar,
mas nunca todas as vossas lágrimas.

O amor só dá de si mesmo,
e só recebe de si mesmo.

O amor não possui
nem quer ser possuído.

Porque o amor
basta ao amor.

Quando amardes, não digais:
-Deus está no meu coração,
mas antes:
-Eu estou no coração de Deus.

E não penseis
que podeis guiar o curso do amor;
porque o amor, se vos julgar dignos,
marcará ele o vosso curso.

O amor não tem outro desejo
senão consumar-se.

Mas se amardes, e tiveres desejos,
deverão ser estes:

Fundir-se e ser um regato corrente
a cantar a sua melodia à noite.

Conhecer a dor da excessiva ternura.
Ser ferido pela própria inteligência
do amor, e sangrar
de bom grado e alegremente.

Acordar de manhã com um coração alado
e agradecer outro dia de amor.

Voltar a casa ao crepúsculo
com gratidão;
e adormecer tendo no coração
uma prece pelo bem-amado
e um canto de louvor na boca.


"O Profeta"
Kahlil Gibran

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